02 fevereiro, 2017

arthur

arthur foi o garoto que me mostrou meu primeiro palavrão
mostrou pra sala inteira, de jaleco
mas ainda assim pra mim, o palavrão,
mas ainda assim o meu primeiro
com a tinta vermelha espirrando feito hemorragia
e a agonia no ouvido com o ranjido do piloto
de letras garrafais, assumidamente:
ca-ra-lho
arthur batia com a cadeira de plástico na parede
pra mostrar como os pais trepavam
e ele ouvia
a mãe acordava tarde e esquecia de pôr a roupa pra lavar
arthur juntava tudo
e ia pro colégio com a farda rosa
chorou no dia da apresentação porque a tia morreu de diabete
e comer doce da cantina na hora do intervalo
era o mesmo que cometer suicídio
mas arthur descobriu pressão alta na aula de educação física
e começou a passar fome
arthur era o único garoto da sala que dançava quadrilha sozinho
foi de vestido amarelo no dia do ensaio
e usou asas douradas pra fazer o cupido no teatro
e todo mundo riu
porque arthur era o maior machão nas terças
quando ia pra secretaria
passava a testa no vidro da janela pra ficar embaçado
e ninguém o visse chorando
diziam que arthur cheirava pimenta do reino
como se cheira pó
fazendo um caminho de pimenta na cadeira com a carteira de estudante
e por isso não a riscava de caneta
pra que ninguém o descobrisse
arthur abandonou todo mundo quando passou pro turno da tarde
e depois pro da noite
e depois ninguém o via mais
depois disso, ninguém sentava mais na cadeira de arthur

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