09 janeiro, 2019

[Um filete de areia na calcinha]

Um filete de areia na calcinha e o mar que anuncia:
estou no brilho.
A saia verde e minha boca coçando você beija
O espanto na cara e meu lóbulo cansado você beija
Os sulcos na pele e mais sulcos na minha pele você beija

Dorme, eu ouço.
Os ombros colados e uma cócega na vulva
pra que me faça perder o medo
E eu afronte minha casa.

Assim te amo. Como correr na praia
a água morna forrando o corpo, a pele secando no sol.
O silêncio das tuas mãos e um dedo que desce bonito
Umidifica meu cansaço, me alimenta
Me sucumbe a um desejo antigo de ser comida
Aroeira, serralha, flor-de-pincel

Te amo nos poros e nos vultos: a palavra envolta no
tempo. Te amo no susto de não ser amor talvez
outra coisa
Uma saliva vazando da boca
atrapalhando acanhamentos.

Porque te amo tateio essa língua
que faz uma mulher prender nos dedos um mói de lençol.

04 julho, 2018

saber ouvir teu nome

para andressa

queimar-me como uma mulher queima em cinzeiro
te toco pra te achar bonita
enquanto a luz encadear minha cegueira.
de tudo que me ofereces, aceito um par de meias
pra me livrar do frio que carrego.
embora eu me recolha na tua casa, me ame na rua. me ame
no asfalto e nas rachaduras da parede. me ame enquanto os carros passam
e a pedra vire areia e a areia vire pó.
segurarei firme o teu cabelo, porque se lê queratina a minha urgência
conforme eu me recolho na tua casa.

e me olhe amena, porque tu me tens exausta.
teu nome segue baixo e sonoro na minha boca.
quero saber se me acharias fácil em meio às tuas coisas. potinhos de páprica
sabonetes de argila. rolos de linha. plantas, panelas, passos
me busca na tua colcha cor-de-rosa, me tira pra dançar
e eu gritarei teu nome de garganta inflamada
de forma que eu me recolha na tua casa
e faça parte do que é vivo dentro dela.

mas você me olha e eu sinto que há algo de bonito em toda miudez
de todo aspecto agrilhoado dos meus pés a uma pedra
que a escada é pouca e eu subiria mais
que eu tenho fome de quando tua cara é palpável, muito além
de um holograma insípido e nervoso.
muito além de beijos na grade
e tremores de pernas na cerâmica, espocam
e eu arranho as tuas costas pra que desmonte
nesse real e minúsculo braço onde repouso a cabeça.

12 junho, 2018

C.

automaticamente pensar em você
e nascer de um plástico como se nasce de um saco escrotal

porque C. não sabe
que por exemplo as sobrancelhas guardam o suor todo da testa
e por isso eu as descabelo inteiras
na tentativa de obstrução, abstração, vínculo
arreganho, plena
desconheço a tua força
e por isso eu interajo, fluída, no que resta do teu sono.
não tenho culpa de ser triste.

meu processo ter sido homem
porque eu não tenho paz e eu não tenho físico e eu não tenho palavra.

não importa se no dia triste como esse domingo de maio
você me diga que eu não fui nada além de um mosqueiro
e que eu sou frágil demais pra tentar te proteger de alguma coisa
eu apenas acenaria com a cabeça
já não importa se eu pareço um homem descalço de dedos curtos
acenando pra uma mulher como se ela fosse um conhecido distante na rua
e eu repousasse sobre as suas pernas na indignação de parecer que sofro
eu não sinto mais medo da morte
das paixões que carrego na bolsa
verdinha que eu acabei de comprar.

repousei num momento de espanto e alívio
automaticamente pensei em você
mas são muitos tantos os amores molhados que a gente enxuga.
e hoje eu sento. e choro. e faço do teu nome escândalo. cúpula.
não tive consciência alguma do poder que teve
a mulher nociva que você também foi
no parapeito imenso e insoso e intenso
desse sopro.

27 abril, 2018

tua punheta minha placenta

para vitor

tua punheta minha placenta
você é um menino que aguarda a redenção dos vivos
um pedaço de tronco de árvore que corta e quebra
corta-se e quebra-se, meu bichinho de cabeça raspada

eu sei que é palpável o gosto da tua boca
enquanto belisco meus próprios mamilos
e durmo. ergo-me. invado-me oca, inicio
tenho sede do teu seco suor.
então sentir como gotejo a perfuração do teu baço
na minha barriga. depois cócega.
depois dor. depois alívio.
instauro minha hélice no teu silêncio quieto
sim, eu tiraria da tua pele todo o sangue que eu preciso.

eu sei que você espera.
isso é tudo.
e eu sou nada.

eu sou um acidente inesgotavelmente cheio
de cansadas e breves instaurações
barbada e cínica, meus pelos roçam e você sabe porquê
eu tenho a vagina contraída e o cheiro dela no buço
não lamento, não me estendo, não procuro
quero que você exponha, na raiz da desesperança, seu ruído noturno
eu tenho fome também da tua frase
a brancura da boqueira que eu evito
porque vieram homens de todos os lugares, poços e vagões
e eu não soube recrutar você

eu não soube sequer me alagar e me sentir ingovernável
como as estruturas gerais do rio de janeiro
subir no meu piso pra poder cair e chorar de fragilidade e inocência e na falta de coturno
é teu salto que me levanta
ser como aquela gata
que se esticou todinha quando fizemos carinho na barriguinha dela
como todos os gatos que roçaram nas nossas pernas pedindo abrigo
e nós demos e nós damos sempre
e nós nos beijamos enquanto a areia se perde no meu púbis
e nós nos beijamos enquanto a cidade cospe fogos de artifício
e nós nos beijamos enquanto eu deixo de ser eu e passo a ser você

e tudo se torna muito tranquilo na minha cabeça.

tua punheta minha placenta
e eu que nem sequer estico os braços pros demônios que carrego
te faço meu deus pra suprir a necessidade da dúvida
te faço calar a boca enfiando gotas de saliva
e a saliva roxa e o lábio pink e o canto do olho vermelho
meu passado com você é o presente que eu não condeno
você me fala que o tempo urge e as coisas passam
em seus devidos manuais de instrução, essas coisas são só miragem
mas eu sinto

saudade de sentir roçar no punho a panturrilha mais gostosa do teu país redinha
sentir que do outro lado daquela ponte há centenas de pessoas
e milhões vestindo branco e milhares com guirlandas de adereço no pescoço
e que nenhum deles somos nós
porque estaríamos gozando no banco de trás a caminho de parnamirim
porque estaríamos revirando os olhos pros branquinhos cegos de terno
porque estaríamos dormindo no suor úmido do asfalto
eu queria ouvir devagar tuas vozes na parede
na impossibilidade de entendê-las
eu queria sacudir teu corpo murcho até esticá-lo inteiro na capacidade de te manter vivo
como haste grossa que não quebra
como a tua panturrilha grossa que não afinaria nunca
nem com a briga fúnebre desses dias
eu queria ter-te homem nos meus braços, sacudi-lo como se você fosse essa mão que eu tiro do bolso
pra não mofar dentro da calça
eu tenho saudade de quando as coisas eram pequenas
e eu me sentia importante por ter o mesmo tamanho que elas
como esse figo maduro e esse pêssego que eu chupo entendendo as metáforas
queria ser teu pino e teu primeiro sexo
e depois me tornar o cu que fecha
por medo de perder mais um.
x

15 março, 2018

o dedo que me penetra

o dedo que me penetra não tem nome
é cálido som puro, estatueta de mármore e pedra.

escorrego,
porque lapidou-se o que em K. era nítida rocha bruta
olho para o meu estômago com teu pedaço de unha dentro
como as espinhas de peixe que um dia engoli,
tendo sempre o vômito verde-mostarda.
não acredito que isso que você quer achar
queira ser visto numa colonoscopia:
é gastura simples. pedaços de amina e merda.

e fogo-fátuo, rastros de tesão e fuga
te amo como as tarântulas e as begônias e os rochedos ao redor do rio
porque sei que me esquivo da tua pele de corte de peixeira
e te ver sentir enjoo do peso exaustivo da minha sombra
interfere na minha ganância de ser palácio e estábulo ao mesmo tempo.

não ache que é por você que choro
enquanto meu cabelo cheira a gasolina e óleo dísel.

há a loucura que tento esconder de K.
se a tenho como tenho toda gente que comi, ferina
deixando meu canino pregado em cada coxa preta
o dedo que me penetra não tem nome
é viga suspensa. ferida de queda de cavalo.

e fazer do cigarro a imagem de pessoa distraída
poder encostar no limbo, saber que o limbo cresce
sob teus olhos, a cama. a prece. o desejo. somam-se
inúteis no 1/11 avos do teu espaço-tempo. calejada,
eu te somo a mim, teu puro sangue gasto de rainha.

o dedo que me penetra tem nome
mas eu não sei qual é.

13 março, 2018

antes de construir às margens de uma rodovia

antes de construir às margens de uma rodovia
uma mulher precisa ouvir seu marido que
precisa comprar um terreno e que este dê verduras
essas verduras precisam ser carregadas por um caminhão
um caminhão que seja guiado por jesus

antes de construir às margens de uma rodovia
uma mulher precisa ouvir seu marido que
precisa contatar a autarquia e a autarquia dar suas ordens
com seus devidos apitos na garganta
esta deve estar seca de dunhill

antes de construir às margens de uma rodovia
uma mulher precisa ouvir seu marido que
precisa de mais meia hora de sono
e depois poder beijar todo mundo na boca
como fazem esses bons senhores dessas faixas de domínio
e esta precisa ter uma rodovia amplamente facetada
e ela poder escrever na calçada "nosso amor
é passível de inclinações"

antes de construir às margens de uma rodovia
uma mulher precisa ouvir seu marido que
precisa solicitar um alinhamento e este
se o governo quiser não decepcionará a família
a família de um homem só
e poder pensar no direito de ir embora
como um rio que corre

antes de construir às margens de uma rodovia
uma mulher precisa parar
de ouvir seu marido.

19 fevereiro, 2018

presságio

te amar como um projeto de míssil
alvos se mostram prontos meu digníssimo silêncio
te estourar os ossos
fazer da morte um presságio
tenho baba de homem na boca
de quem perdi metade de meu desejo
e continua o que de vivo sobrou meu tempo:
na boca dessa menina apenas sinta a saliva
que ofereço.