Querida Amélie,
Havia chegado ontem às 22:35, era uma noite chuvosa e o apartamento estava mais úmido do que nunca. Não sei o que me fez abrir as caixas naquele horário; mas entenda, algo me dizia que eu precisava abri-las. Que eu precisava ler novamente aquelas velhas cartas. Sei que recordar tudo o que passamos não me faria bem. A solidão se tornou uma virtude, Amélie, e eu não estou disposto a abrir mão dela. Após os dois anos que passamos juntos, consegui viver bem com alguns livros e algumas canções. Canções estas que eu sempre me recusei a saber de quem eram. Agora eu deixo todos os sentimentos de lado, os bons e os ruins, para te escrever cartas que você nunca irá receber. E eu sinto muito por isso, Amélie, muito mesmo. Porque eu ainda não consegui entender. Eu estava entre garrafas de cerveja, ansiedade e Billy Joel. O meu corpo todo tremia enquanto eu abria aquelas caixas e deixei pingos de álcool caírem em cima; naquele momento eu já não sabia se eu estava embriagado ou se era apenas desespero. Ou seria "se eu estava desesperado ou se era apenas embriaguez"? Acontece que caíam mais lágrimas do que cervejas ali. E eu sentia todo o gosto amargo de uns goles de lembranças amiúde.É bom, às vezes, dar um passo para trás. Dois, talvez. Mas eu já estava caindo há muito tempo, o passado me puxa sem medo e minha vida agora é baseada no regresso.
"Stranger! if you, passing, meet me, and desire to speak to me, why should you not speak to me? And why should I not speak to you?" _Walt Whitman
Estava escrito no envelope da primeira carta.
Fiquei todos estes anos refletindo sobre estas questões e tentando respondê-las. Se tu já desejou falar comigo, por que não o fez? Só quero que você entenda que eu nunca mudei de calçada, nunca virei a esquina sem virar a cabeça, nunca deixei de olhar pela fechadura da porta tentando ver com qual roupa você escolheu para aquele dia. E agora eu penso que eu não devia ter começado com isso, pois já estou afogando nessas caixas.
Com cartas amaçadas,
César.
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