13 abril, 2015

Eu sou a gota do oceano que não se mistura com o resto

youth | via Tumblr

Como assim nunca ouviu Chopin?, era algo extraordinário, como pode alguém viver sem nunca presenciar aqueles pianos e violinos noturnos? Ela me olhava, pedindo desculpas, eu não sou obrigada a conhecer essa sua lucidez louca, essa sua mania de intelectual-graduado-questionador-contemporâneo, esse conceito musical que você carrega na mochila. Sou daquelas, você sabe, que ouvem Caetano madrugada a fora, que exalam aquele rock cansado, aquelas batidas sem ritmo. Tenho aquele coração de eterno flerte, aquele suor sagrado, aquele cisco no canto do olho. Preciso que você entenda que essas coisas não se escolhem, baby, que são as informações que chegam e que ficam; e que você precisa parar de achar tudo fora de moda. 
Ela ganhava todas as discussões, pensei, sem chantagem, sem medo, sem alterar aquela voz mansa, cheia de desejo. Essa bagagem cultural não pode destruir meses de carência compartilhada, de tragos ao ar livre, de romances inventados. Com os dedos nos meus cabelos, ela dizia o mesmo: não implica mais com a minha musicalidade brega, com os meus secos e molhados e aquela rouquidão dos anos 90. Você devia se tornar escritor, querido, gritar todo esse vazio que você carrega no peito, essa melancolia barata, esse  sentimentalismo de quinta. Sempre achei que ela adorava essas pessoas sentimentais que carregam um buraco na essência, aquela falsa perspectiva de vida, o charme do cigarro caindo da boca. Eu já te disse, o livro que eu escrever terá que ser o mais triste do mundo, preciso que as pessoas comecem e terminem com lágrimas nos olhos, com lenços nas mãos. Que psicopata, ela me dizia, não estraga as pessoas com seu falso sofrimento; escreve tanto sobre cigarros e nunca fumou. nunca bebeu. nunca transou de verdade, nem comigo. nunca agonizou de amor nem gozou daquela coisa que a gente chama de, isso mesmo, felicidade. Do que adianta escrever e não vivenciar nada? Se a essência da escrita está naquilo que a gente sente? 
E eu pensava que o mais triste é que ela estava certa mais uma vez e que eu deveria parar de achar bonito toda essa tristeza, esses saltos, esses suicídios, essas caras mortas de bar. Não falo mais disso, querida, deixemos de lado o restante da humanidade, seja alegre ou seja triste; essa coisa de otimismo não funciona comigo, mas deixemos pra lá. Chega mais perto e me faz lembrar do que eu deveria ter lido em você, dos discos de Gilberto, me mostra o teu samba, me diz como eu devo chegar naquela garota de Ipanema, naquele menino do Rio, me mostra como a menina dança. Olha que lindo esse seu suéter, esses seus suspensórios de menininho, sua falta de preconceitos que tanto amo. Eu que tanto quis encontrar meu lugar ao sol, me achei nos seus olhos de garota hippie-indiana, na sua mania ecológica, budista, poetisa de botequim. Olha aqui nos meus olhos cinzas, vê se você acha uma pontinha de liberdade, um devaneio se desfazendo. Não me deixa ir embora mais uma vez, não me deixa assim tão solto; não quero essa saudade de fim de semana. Mas veja, preciso te dizer, espera eu tomar coragem, quero dizer que preciso ir novamente. Sei que te pedi pra não me deixar fazer essas coisas, mas você entende que eu preciso? Você precisa entender que não me deve ouvir sempre, só quando eu te pedir. Isso, como agora, exatamente como agora. Não se afasta desse jeito, preciso encontrar um lugar pra me perder. Poderia ser nos seus olhos, mas eles parecem tão felizes, eu não caberia aí dentro. Não precisa fingir esse choro, você sabe que eu volto mesmo pedindo pra eu não voltar. Quem seria sua válvula de escape sem mim? Sou eu quem ouve suas aventuras clandestinas, meu bem. Vou naqueles shows de Marisa e Adriana pra me lembrar de você e vou passar a colocar adoçante no meu café pra te ver cristalina. 
Deixe que o tempo trate tudo que faltou acontecer, aquela saudade que a gente sente antes de dormir. Pega aquele livro do Caio, lê aquele trecho pra eu não me esquecer da sua voz. Eu conseguiria te falar mais se aqui estivesse mais escuro; mas não desliga as luzes, deixa eu continuar olhando pros seus olhos, identificar esses tons de castanho traiçoeiro. Eu disse que iria te decifrar, mas acho que não consegui. Tentei, meu bem, juro que tentei. Pega aqui na minha mão pela última vez e me lembra do que eu já devia te esquecido há muito tempo.

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