27 março, 2016

Notas sobre fazer 'sim' com a cabeça




















Garrafas e mais garrafas de vaselina na minha bolsa. Mais uma vez a vizinha de baixo foi reclamar com o síndico. Grita demais essa vagabunda, toda dia um novo cliente que sai sem pagar. Cigarros, gemidos, um ranger de madeira e a música mexicana ao fundo, às duas da manhã. Venho tendo umas dores nas costas, às vezes adoeço em febre por causa dessa bunda fodida que preciso dar toda noite. Quase sempre a gente se acostuma com o desmantelo. Mas agora mesmo, olhando os santos pregados na parede por que mesmo que não existe nenhum santo protetor das putas, vadias em geral? Estou de férias, descansando a bunda nessa almofada indiana que comprei no camelô ainda que a metade do preço de duas noites. Faz dois meses que não tenho um orgasmo daqueles de encravar a unha na parede e bater com a cabeça na madeira da cama, hoje o que mais me excita é ler Bukowski, garantindo minha fase culta com cigarro barato, uísque barato, seringas baratas, vida barata essa minha, contando cheques pré-datados pra não morrer de fome. E venho morrendo, só garanto mais gemidos enquanto meu pulmão funcionar.
Quem não morrer que escape, já dizia meu pai, me encarando. Mas ele não conseguiu escapar, me deixou a mercê de viadutos e viaturas, de praxe eu aprendi a viver sozinha. Nunca fui beata, já fiz de tudo nessa vida, até boquete pra deputado eu paguei; já fui Geni pra pai e filho; desembolsei centenas e perdi tudo em pôquer; produtos suíços; quebradeira dentro de casa com banheira nova; bunda feminina na minha cama, eu nunca gritei alto pedindo amor, nunca deixei que viessem bater na porta. Continuo oferecendo meu corpo pra quem precisar, órgãos, saliva, decepções; ofereço meu braço inteiro se tiver afim de vomitar. Já quase morri cinco vezes, de fome, de espancamento, de sífilis, gonorreia e de amor. Escancarei meu peito e me fodi. Escandalizei os putos na vitrine, garantindo minha fase 'coração partido'. Mas porra, eu posso ser cafetina, filha da puta -ou a própria-, posso rasgar qualquer pele com minha unha vermelha. Não peço que tenham pena de mim, pelo amor dos deuses, não peço que chorem ao meu lado. Não quero que espalhem a porra do meu sofrimento externo.
Mas a verdade, a verdade mesmo, querido, é que não consigo fazer nada disso, sofri horrores por uns palavrões que falei no seu ouvindo, uns tapas que dei no seu peito. As melhores fodas que tive foi com você, eu já te revelei? As melhores transas em pé, melhores danças ao som de sax com a língua, eu devo ter alguma coisa em Câncer, não acha? Capricórnio com o restante em Escorpião, mas com certeza âmago canceriano. Ah, mas eu nunca me importei em saber que vinham até mim por necessidade, sempre soube, necessidade carnal, de ser, de sexo, de dor, de suprir calejamento... eu estive -e estou- aqui fazendo 'sim' com a cabeça pra você. Pra eles. Pro restante da humanidade.

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