21 setembro, 2016

Zilda

no dia em que me deixaram rente
ao emaranhado da cerca de arame farpado,
eu deitei na grama crente que fora calçada aquela rua.
rua que eu percorria descalça, queimando já os calos
ganhados no dia anterior
e sentia sempre às cinco da tarde um perfume velho
de quem já era velho por natureza e já nem precisava
de essência alguma pra demonstrar que a morte vinha vindo;
impregnava no lóbulo da orelha e vinha descendo,
transpirando pela pele desidratada.
eu percorria essa pele com meus dedos sujos;
o que refletia nos olhos castanhos era apenas a clareza
de quem só via sentido na existência de alguém que já estava
por não existir
ainda que forte, lúcida, incansável
aquele corpo tão corajoso que sempre bateu de frente com
o maior dos muros de tijolos não-revestidos.
eu sinto muito por ter medido cada palavra
e por ter percorrido novamente aquela rua de paralé
sempre no mesmo sentido para dar, numa última chance,
uma alegria última que fosse,
mas que era clara a não-intenção de ter sido intencional
essa parada súbita
essa ida inesperada
que me pegou em cheio como um toque de uma mão lisa
nas minhas pálpebras
e encostou nos cílios e fechou meus olhos
pra que eu dormisse junto
e morresse junto
pra sempre.

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