26 junho, 2017

eu presumi que era amor

por algum motivo: essa chuva
e nós duas sussurrando sobre a infinidade das coisas
o complexo de superioridade que as formigas têm
elas sobem pelas nossas pernas enquanto as roçamos
vingança fome ódio
te endereço o meu refluxo se disse que entraria rasgando minha garganta
tiraria esse nó com a ponta úmida dos dedos
o nó estilo marinheiro que precisa amarrar as coisas para não perdê-las
nós duas e esse casaco compartilhado com cheiro de futuro
acho que quando você apareceu, eu finalmente entendi a capacidade
que o corpo tem de se alterar
entendi que as pessoas erram muito pela insuficiência da geografia
você me disse que o amor está na cabeça
e se assemelha muito às guirlandas penduradas no pescoço de um hippie anos 60
estamos perdidas nesse continente
e ele não mede mais que as nossas unhas sobre o mapa
entrar naquele automóvel me fez duvidar das leis da física
você me deixou respirar pela única fresta existente
que eu logo assemelhei a um buraco de minhoca
daqueles que se fecham em frações de segundos e matam os astronautas russos
me fez lembrar que é por cima da tua nuca o único lugar que me conforta
embora exista lugares tão incríveis como as periferias da frança
e amar minha capacidade de apneia
meu medo de tudo que é infinitamente escandaloso
como essas pessoas que nos olham e preferem a guerra à esse minúsculo gesto de afeto
e a guerra é tão mais perigosa, você não acha?
foi quando eu presumi que era amor na medida em que você sorria no meio do errado
os nossos óculos se batem e ainda assim eu prefiro usá-los
pra não perder de vista o que tenho
e o que tenho é você que verifiquei gostar como gosto dos abraços distraídos
porque trazem a força e a resistência dos cactos à seca
nessas noites, nesses ônibus, sobre essas pessoas que me beijam no pescoço e sentem seu perfume
eu busco matar minha fome
enquanto isso significar atravessar fronteiras com você.

2 comentários:

  1. Adoro todo e cada verso dessa poesia. Tem mais sentimento e verdade em cada uma das palavras que você escolheu que talvez em toda a bobagem patológica que a indústria cultural despeja pra gente em todo tipo de filme irrisório. De um jeito muito sutil você faz cada movimento e objeto que escreve ser algo sem a qual a poesia não vive. Os astronautas russos, a fome, os gestos, os hippies, as guirlandas, a referência a Raul no título do blog: eu presumo que é amor. Fazia tempo que não lia poesia com tanta avidez.

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  2. eu gosto desta música do raul porque nela ele diz que fará o que gosta, acreditando em algo novo e menos triste, e o que você está vendo aqui é exatamente isso. obrigada, moço, pelo seu comentário aqui e no outro poema, me fez chorar depois de um começo de dia ruim. estou lendo seu blog também.

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