
ainda sinto o gosto de graxa na boca.
Sou quem escreve cartas sem remetente,
quem te liga desesperadamente,
completamente louca.
Sou a parte cinza de uma parede azul
que esconde tantas história mal resolvidas.
Sou o livro mais grosso da livraria
que só abrem para ver o autor da escrita.
Sou o sapato que alguém usou e esqueceu debaixo da cama;
um retrato que nunca teve moldura;
aquele que esquece de ajeitar a postura;
um pedaço de papel que foi rasgado e jogado fora.
Sou uma brisa que aparece rápido
e desaparece mais ainda.
Sou o casaco no verão e o biquíni no inverno,
sou o amor retrocesso,
um cantor sem disco de platina.
Sou um calo no teu calcanhar
que dói e arde no banho,
um padre bêbado no altar,
sou uma igreja sem santo.
Sou algo entre choro e desespero,
tenho a melancolia explícita nos pulsos,
quem volta para casa sempre sujo
e passa horas debaixo do chuveiro.
Sou um joelho que dormiu nos cacos
e a porta que range de madrugada,
aquele que dorme no quintal de casa
para ouvir o amanhecer dos galos.
E quem consegue dormir?
Sou a insônia que não traz nenhuma inspiração,
o café amargo que derrama no lençol e deixa tudo preto,
uma vela amarela sem cheiro,
talvez um filme de curta duração.
O cinema comigo está vazio,
vazio como a minha vida;
como essas palavras que escrevo,
que transcrevo,
ninguém tem nada com isso.
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