
Ela me olhava com seus olhos de ressaca, tristes e únicos,
como se me revelassem a bebedeira da noite passada, e dissessem “cuida dela,
ela precisa parar”. E ela precisava urgentemente parar, e me dizia “não
esquenta, posso depender de você, mas de cerveja nunquinha”. Ela não dependia
de mim, eu pensava, anos e anos de garrafas vazias, gostos amargos e
sentimentos profundos que eu nunca presenciei. Seus gestos eras lentos como
seus passos, como seu desvio de olhar que sempre se direcionava a parede cinza
mais próxima. Gostava de olhar o nada, procurar belezas onde na verdade não
existem. Dizia que os detalhes eram tudo o que nós tínhamos e percebê-los eram a
única maneira digna de viver. Talvez eu não fosse digna o suficiente para
perceber seus detalhes. Nem seu olhar, nem o sabor amargo que deixava seus
olhos caídos e tristemente encantadores. “Para quê um beijo se eu podia ter o
vazio do teu olhar” eu dizia. E fixava nos seus lábios apesar de tudo. E
pensava que seus olhos quase ganhavam do seu sorriso, que apesar de raro, era o
que me desestruturava. De corpo e de alma. Não que eu acreditasse em almas, mas
ela conseguia enxergar o mais profundo de mim, e dizia “consigo ouvir seu
coração, aqui de longe, do outro lado da vida”. Mas me abraçava e colocava os
ouvidos nas minhas costas como se as batidas do meu peito frio a deixassem mais
calma e revelassem que eu ainda estava viva. “Por enquanto” eu dizia, “é só
questão de tempo para que esse seu olhar psicopata me mate de vez”. O tempo
passou e eu ainda me vejo perdida dentro daqueles olhos, que brilhavam tanto,
não por felicidade, mas pelas lágrimas que precisavam de um tempo antes de cair.
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